coração de cambraia

 

dentro da casa redonda

nas suas paredes nuas

 altas horas bate ainda

o coração de cambraia

 

chega a mulher sem nome

cercada pela treva fria

traz uma bilha de bronze

que em redor da sua fronte

brilha como uma auréola

entra na casa redonda

supérflua como uma fada

pousa a bilha que trazia

no chão de terra  da entrada

a sede antiga sacia

com água da fonte clara

lança o olhar cansado

pelas coisas que deixara

as três cadeiras de verga

encostadas à parede

a mesa de madeira escura

sem a toalha bordada

as prateleiras vazias

do armário envidraçado

 

mas reconhece o cheiro

dentro de si entranhado

a lenha e a maçãs verdes

dias e dias a fio

espalhadas no soalho

 

depois na cama de cedro

no meio da  escuridão

espera  de olhos fechados

que o seu coração sozinho

bata no mesmo compasso

desse outro coração

 

e quando abandona a casa

redonda pela manhã

menos só do que viera

tem tudo o que procurava

que dentro do peito leva

dois corações a bater

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